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Di, falando...

Os amigos falam de Di..

Carlos Drummond de Andrade

Vinícius de Morais

DI CAVALCANTI : O ENAMORADO DA VIDA

Qualquer semelhança de espírito entre o poeta Vinícius de Moraes e o pintor Di Cavalcanti não será o que vulgarmente se chama de mera coincidência, é a mais pura afinidade. Cariocas que amaram - como poucos - o Rio de Janeiro além das incontáveis mulheres que passaram por suas vidas. Tudo cantado em versos, música, prosa e imagens para deleite das gerações futuras. Ambos poetas, escritores e boêmios, entendiam que da vida só se poderia levar prazeres. Nesse aspecto, o crítico Jaime Maurício assim frisou sobre o pintor do Catete: "...fez da boêmia uma bandeira romântica". E foi dessa maneira que esses dois gigantes da cultura brasileira levaram a vida: em constante alegria e celebração.
Não sabemos se Di Cavalcanti pintou Vinícius em suas cores tão brasileiras mas Vinicius cantou em versos, em 1963, o amigo pintor:
"...Que bom existas, pintor
Enamorado das ruas
Que bom vivas, que bom sejas..."
Esses versos refletem a alegria de um Brasil que encerrou-se um ano depois sob os ventos negros da ditadura militar que se instala no país e atinge os dois amigos: um refugiando-se em Paris (Di) , o outro em Roma.
Ainda de Jaime Maurício recolhemos na brilhante pesquisa coordenada pela curadora Denise Mattar um resumo perfeito do que foi o pintor Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Mello, autor da idéia da famosa Semana de Arte Moderna de 1922: " ...Na ausência de tradições e técnicas tipicamente nacionais, precisamos ter pintores dignos desse nome crescidos no Brasil, por ele sensorialmente formados. Como Di Cavalcanti que nos conta em lápis e tintas de modo tão brasileiro o que vê e sente. E isso com uma espontaneidade que não exclui muito labor... Nosso prazer diante das telas de Di nasce desse encontro do que subsiste na sua pintura de pessoalmente tumultuoso com o rigor da expressão definitiva, admiravelmente ordenada. No mundo do artista, feito de mulatas, pescadores, músicos, palhaços, meretrizes, circos, mercados, bordéis, portos e do mar nunca muito longe, nada há de pletórico, congestionado, ou simplesmente ornamental. Tudo, se bem que amplo, generoso, rico, permanece essencial, participa de uma realidade mais profunda e renovada." 
Este carioca que foi amigo de Picasso, Matisse e Jean Cocteau sempre declarou-se um admirador da mulher brasileira, sempre "soube revelar o rosado recôndito" das mulatas" e mais que tudo: "é sempre o mais exato pintor das coisas nacionais" segundo o escritor Mário de Andrade.
Falar da pintura de Di Cavalcanti é falar da cara e do povo brasileiro, da exuberância tropical do pais, de sua sensualidade sem folclore.

Renato Rosa

 

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Di, falando...

" - A mulata, para mim, é um símbolo do Brasil. 
Ela não é preta nem branca. 
Nem rica nem pobre. 
Gosta de música, gosta do futebol, como nosso povo. (...)" 


"Moço continuarei até a morte porque, além dos bens que obtenho com minha imaginação, nada mais ambiciono."

"No carnaval eu sempre senti em mim a presença de um demônio incubo que se desvendava como um monstro, feliz por suas travessuras inenarráveis. É uma das formas de meu carioquismo irremediável e eu me sinto demasiadamente povo nesses dias de desafogo dos sentimentos mais terrivelmente terrenos de meu ser..."

"... "Fon-Fon" publicou a primeira caricatura de minha autoria. Depois tomei o trem para São Paulo. Fui para Ribeirão Preto. Em Ribeirão Preto vivi uma vida estranha. Marcava dormentes na Mogiana, com meu querido tio Ariosto e freqüentava os cabarés da cidade. Ribeirão Preto iniciou-me no amor ao cabaré. Voltei ao Rio. E decidi ser mais depressa possível um profissional das artes e, se possível, das letras."

"A exposição de Anita Malfatti em 1917 foi a revelação de algo mais novo do que o impressionismo, mas Anita vinha de fora, seu modernismo, como o de Brecheret e Lasar Segall, tinha o selo da convivência com Paris, Roma e Berlim. Meu modernismo coloria-se do anarquismo cultural brasileiro e, se ainda claudicava, possuía o Dom de nascer com os erros, a inexperiência e o lirismo brasileiros."

"...Paris pôs uma marca na minha inteligência. Foi como criar em mim uma nova natureza e o meu amor à Europa transformou meu amor à vida em amor a tudo que é civilizado. E como civilizado comecei a conhecer a minha terra."

 

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Uma Flor para Di Cavalcanti

Esta é uma flor para Di,
uma flor em forma di-
ferente: de flor-mulher,
desabrochada onde quer
que exista amor e verão.
Verão como a cor cinti-
la nas curvas, e sorri
nesse púrpuro arrebol
que Di tirou do seu Rio
coado de mel e sol.
Uma flor-pintura, zi-
nindo o canto de amor
que acompanhou toda a vi-
da do pincel, o gozo-dor 
de criar e de sentir, di-
vina e tão sensual ração 
que coube, na Terra, a Di.

Carlos Drummond de Andrade
in Andrade, Carlos Drummond de . Discurso de primavera e algumas sombras. In: ______ . Poesia e prosa. 8ª ed., pág.813

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... Que bom que existas, pintor
Enamorado das ruas
Que bom vivas, que bom sejas
Que bom lutes e construas
Poeta o mais carioca
Pintor o mais brasileiro
Entidade mais dileta
Do meu Rio de Janeiro
- Perdão meu irmão poeta
Nosso Rio de Janeiro

(Vinícius de Morais,
setembro de 1963)

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