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Murilo Mendes
1949

Luis Lopes Coelho
São Paulo, 1964

Walmir Ayala
Rio, 1973

José Roberto Teixeira Leite
Rio, 1973

Antonio Bento
Rio, 1973

Carlos Zílio
1982

Luís Martins
São Paulo, 1983

Roberto Pontual 
Rio, 1987

Mario Schenberg
São Paulo, 1988

Fernando Sabino
Rio, 1996

Jacob Klintowitz
1983

Olívio Tavares de Araújo
Rio, 1998

Di Cavalcanti e a Crítica

"... A arte de Di Cavalcanti, bem como sua pessoa humana, bem como seu método d ofício, está fundada na liberdade. Uma vocação de liberdade que tem sido a linha dominante de sua vida que fez dele - em certa época o único pintor social militante do Brasil - um revoltado contra as imposições drásticas dos partidos, um homem que sempre examina seus problemas, e que atingiu um elevado nível de consci6encia artística. Debaixo de apar6encias ligeiras, a carreira do Di Cavalcanti tem assumido aspectos patéticos de alto drama intelectual: este homem inquieto tem vivido em encruzilhadas, à procura de soluções plásticas, políticas e críticas, debatendo continuamente o caso do Brasil, o caso da anarquia universal e seu próprio caso que se misturou com outros.
Eis o aparente paradoxo de Emiliano Di Cavalcanti: este grande individualista é u m pintor social, este boêmio dispersivo é um trabalhador obstinado, este copiador de histórias pitorescas é um espírito sério capaz de disciplina. O homem Di Cavalcanti é rico em surpresas e imprevistos, solidário com outros no sofrimento e na alegria. Sabe que o prazer sempre foi um elemento importante na criação da obra de arte. Sabe que o prazer encerra também conflitos, abismos, contradições. Daí o aspecto triste, às vezes mesmo sinistro, de certos personagens festeiros de seus quadros. Todos nós sabemos que o substrato da alegria brasileira é carregado de tristeza. Em alguns dos melhores momentos de sua carreira Di Cavalcanti atingiu pela força da verdade plástica o cerne da nossa própria verdade metafísica na unificação de seus contrastes: de fato a gente brasileira foi ali recriada em síntese erudita...".

Murilo Mendes
1949

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A grande força de Emiliano Di Cavalcanti, como artista, é a sua sinceridade e - embora a expressão me cause certa repugnância, pelo excesso com que vem sendo usada - a sua autenticidade. Realmente, não me ocorre outra para exprimir exatamente essa perfeita sincronização do homem com a obra realizada, expressão evidente de uma necessidade vital, na fidelidade com que espelha a grandeza humana de seu criador. Um quadro de Di Cavalcanti - qualquer quadro - é, antes de mais nada, uma projeção de sua sensibilidade e de sua personalidade; e daí, o seu extraordinário fascínio, o seu poderoso encanto, a sua capacidade de encantar instantaneamente a simpatia e a admiração de um público heterogêneo, em que se irmanam solidariamente leigos e entendidos. Diante de bem poucos artistas nacionais se poderia com rigorosa veracidade repetir, como diante de Di Cavalcanti, este aparente lugar-comum, muito menos comum, aliás, do que se imagina: a obra é o homem.

Luis Lopes Coelho
São Paulo - 1964

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Di nos dá na sua pintura, de onde rescendem todas as influências legítimas do tempo percorrido, a dimensão de uma terra pulsante de cor, ingênua e triste.
Di é um pintor bem maior do que se pensa, bem maior do que a fama cheia de rótulos com que o desiguaram. Porque o instinto estético de Di Cavalcanti, que é um homem de sensibilidade extrovertida, irreverente, requintada, independente e bem humorada 9 no sentido às vezes sarcástico do bom humor) , este instinto estético vem comandar as paixões, sobre as quais se tem a impressão de que Di escava no momento vivo do circuito. Toda sucessão de imagens nos despertam um estado de paixão equivalente, ou pelo menos nos inquietam em direção a um mundo palpitante em que vivemos, e, que nem sempre nos atinge.

Walmir Ayala
Rio - 1973

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Em EMILIANO DI CAVALCANTI encontrou a pintura um de seus maiores e mais originais intérpretes: sensual e expressivo, o fabuloso artista - numa carreira de mais de 50 anos -, vem criando mitos visuais que hão de permanecer como outros tantos pontos altos da arte nacional. Nessas poucas linhas, que não pretendem ser de modo algum uma análise, apenas quero expressar a admiração pelo pintor e o privilégio, que me coube, de Ter por vezes podido desfrutar de sua companhia.

José Roberto Teixeira Leite
Rio - 1973

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Ao longo deste meio século transcorrido, Di Cavalcanti ocupou um lugar de 1o plano nas artes plásticas do Brasil. Além de idealizar a Semana de 1922, foi ainda o principal responsável pelo surto de uma pintura temática nacional, dominante após aquele movimento. Apesar de suas ligações com a Escola de Paris e o Cubismo, é um pintor profundamente carioca e brasileiro. A sua obra reflete como nenhuma outra, pela extensão no tempo, a vida do nosso povo. O carnaval, o ritmo e a ginga dos sambistas, as baianas, as mulatas capitosas, as mulheres da vida, os passistas, os malandros, os seresteiros, os bailes de gafieira, os trabalhadores, a paisagem, enfim a própria vida do País está presente em sua pintura, que é sempre vigorosa. A sensualidade brasileira está nas linhas, formas e cores, expressionistas de suas telas. E durante o fastígio da abstração, ele foi aqui o seu maior contestador, sendo também o primeiro a viticinar-lhe a próxima decadência.

Antonio Bento
Rio - 1973

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"(...) O que dará, porém, este clima de sensualidade aos quadros de Di Cavalcanti não será a figura da mulata em si, mas o tratamento que ele dará à pintura e principalmente à cor. A partir de 1926, em alguns trabalhos, como Cinco Moças de Guaratinguetá, nota-se o aparecimento de fortes contrastes cromáticos. No entanto, a cor ainda está dependente do desenho, uma vez que predomina o cuidado na relação entre os volumes e os planos.

Carlos Zílio
1982

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"(...) quando assinala a tendência de Di Cavalcanti para o fauvismo, acentua Sérgio Milliet seu caráter instintivo. Mesmo certas aproximações expressionistas, evidentes e incontestáveis em alguns quadros da época, seriam meras coincidências, isto é, seriam menos derivadas de uma consciente filiação escolástica do que a indisciplinada, intuitiva e heróica necessidade de destruir, de negar, de contradizer todo o formidável acervo de banalidades e lugares-comuns que entupiam museus, salas de exposições e paredes de salões particulares no ano do centenário de nossa independência. Era um expressionismo natural e impulsivo, nascido da necessidade de satirizar, de combater e demolir a deformação que derivava da violência da caricatura, forma de combate que constituiu uma reação instintiva do inconformismo e da rebeldia (...). Assim como o seu expressionismo era uma forma de manifestar socialmente sua inadaptação à rotina, o seu fauvismo seria a necessidade de contradizer o habitualmente feito e passivamente aceito (...)." 

Luís Martins
in Di Cavalcanti. MARCONDES, Marcos Antônio. São Paulo, Art, 1983.

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"Talvez mais do que a sua própria obra de pintor e desenhista, observada isoladamente, é a totalidade do ser humano que passou um dia, muito cedo na vida, a assinar-se Di Cavalcanti, que se instaura como símbolo no modernismo brasileiro. Isso se acentua pelo fato de sua presença nunca ter-se restringido à área exclusiva das artes visuais, abrangendo também a prosa e a poesia, a ponto de ele preferir que o considerassem não como um pintor, mas como um intelectual que pintava. Por pretender agir sobre o mundo como algo mais do que as tintas e os pincéis, foi que ele logo se integrou, cabeça e mãos, na inteira militância contra o academismo amorfo na pintura e contra a rigidez parnasiana na literatura (...)." 

Roberto Pontual 
in PONTUAL, Roberto. Entre dois séculos: arte brasileira do século XX na coleção Gilberto Chateaubriand. Prefácio de Gilberto Allard Chateaubriand e Antônio Houaiss. Apresentação de M. F. do Nascimento Brito. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 1987.

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"Di tinha um senso de humor muito rico, e muito sutil também. Em todos os momentos ele utilizava as circunstâncias como uma forma de exprimir o seu humor. Com isso ele foi, de certo modo, o precursor de algumas tendências muito modernas da antiarte, se bem que esse aspecto da sua obra tenha passado muitas vezes despercebido. Fazia por exemplo esse quadro propositadamente 'matado' em que a finalidade não era o quadro, era o gesto; e essa importância do gesto na sua atividade está muito relacionada com certos aspectos da arte conceitual. (...) Para uma avaliação da obra pictórica de Di Cavalcanti talvez ainda nos falte uma perspectiva histórica. Na minha opinião, uma das coisas mais importantes em Di foi a sua contínua preocupação em fazer uma arte brasileira, ligada aos aspectos cotidianos da vida brasileira e procurando através deles definir a nossa identidade cultural. Esta tendência foi tão forte nele que não conheço qualquer trabalho de Di Cavalcanti que não a reflita, não reflita esta preocupação. Qualquer trabalho de Di, bom ou ruim, é um trabalho brasileiro." 

Mario Schenberg
in SCHENBERG, Mario. Pensando a arte. São Paulo: Nova Stella, 1988.

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"Não tenho lembrança de quando o conheci. Ali por volta de 1943, 44. Desde então nos tornamos amigos à distância ao longo de encontros no Rio, em São Paulo, em Paris ou em Londres. Ele costumava aparecer no Alcazar, onde tomávamos chope quase todas as noites. Amigo de Rubem, Vinicius, Moacir Werneck, Carlos Lacerda. Como continuava sendo de Villa-Lobos, Jayme Ovalle, Ribeiro Couto, Dante Milano - os de sua geração. Era o único artista plástico que freqüentava nossa roda de escritores. Quem o visitar hoje no seu apartamento na Rua do Catete compreenderá logo por quê. Para começar são dois apartamentos ligados pela área de serviço, completamente diferentes um do outro, como se pertencessem a dois moradores. Um abriga o pintor, o outro, o escritor...
... Este talvez seja, na história da arte brasileira, o único exemplo de grande pintor com formação cultural de um verdadeiro homem de letras...
... É incrível como a literatura está presente na vida deste homem. Poderia ter-se tornado um grande escritor, de que nos dão conta seus dois livros de memórias e a poesia que, embora esporádica, nunca o abandonou...
...Em dia com as últimas novidades no mundo dos livros, faz questão de me presentear com um exemplar de La Violence et le Sacré, de René Girard. Depois me convida a passar ao outro apartamento.
Seguimos por uma varandinha entre as duas cozinhas (de onde se avista o Corcovado, ele faz questão de me mostrar) deixando para trás o refúgio de Emiliano, este singular homem de letras. E penetramos no estúdio de Di Cavalcanti - esta grande figura humana que vem a ser um dos grandes pintores do nosso tempo."

Fernando Sabino
in Sabino, Fernando. Roteiro Literário do Pintor. obra reunida. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1996. n.p.

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Emiliano Di Cavalcanti foi um jornalista do traço, um registrador, um irônico testemunho. Mas, também, um afetuoso contemplador das coisas nacionais, das fraquezas brasileiras, nas quais ele, afinal de contas, também se comprazia.

O desenho é, muitas vezes, revelador da personalidade do artista. Na história das artes, ele tem precedido a pintura. E, na história de Di Cavalcanti, ele foi pioneiro de seu temperamento. Pode ser observado como o autor deixa-se envolver pelas doutrinas de sua época, como absorve os seus colegas e, finalmente, como o seu temperamento e a sua profunda ligação com a vida e a criação terminam por se impor, tornando os seus trabalhos pessoais, únicos, impregnados de uma atmosfera própria.

Afastados da parte mais conhecida de sua obra, os desenhos fornecem elementos sobre um lado pouco estudado e explorado da carreira do artista. Acontece que esse lado, o gráfico, é profundamente revelador da personalidade e das tendências do artista Di Cavalcanti.

Por ele, é possível verificar, inclusive, que a famosa sensualidade de cenas e figuras do artista não dependem apenas da cor e da composição. mas são frutos de uma estrutura interna que o seu desenho possui, de um traço e tratamento mais demorado, vagaroso, barroco. Ou, ainda, que o sabor de certas pinturas obedecem ao ritmo ligeiro, ao risco irônico que o seu desenho possuía.
Jacob Klintowitz

Emiliano Di Cavalcanti, famoso pela sua maneira sensual e plástica de pintar, pouca gente sabe, começou como desenhista e ilustrador. Os seus desenhos estão entre o que de melhor já fez e marcam decisivamente uma época de nossa história.
Jacob Klintowitz

In, Mestres do Desenho Brasileiro, 1983.

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"Tinha prazer com o ato de pintar e não se preocupava em alcançar a cada vez a obra-prima; queria basicamente expressar-se. Nos anos 20 e 30, sua produção é mais homogênea; nos 40 e 50, surgem numerosas e famosas obras magistrais; dos 60 em diante, elas se tornam raridade.
Apesar disso, Emiliano Di Cavalcanti permanecerá para sempre como um dos maiores pintores brasileiros, e o que melhor captou um determinado lado do país: o amoroso, o sensual. O largo predomínio da figura humana em sua arte é também uma manifestação de seu humanismo essencial - o mesmo humanismo que o levou a ser um indivíduo da esquerda, embora não exatamente um ativista partidário. Como Segall, Ismael Nery e Portinari, Di fez do homem o objeto de sua atenção."

Olívio Tavares de Araújo
in ARAÚJO, Olívio Tavares de. Pintura brasileira do século XX: trajetórias relevantes . Rio de Janeiro: Editora 4 Estações, 1998. Pág.46-48.

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